domingo, março 04, 2007

Haja Memória!!!


Será Preciso outro 25 de Abril?

48 anos de ditadura…

13 anos de guerra colonial, perseguições, tortura, presos políticos, exilados, assassinatos e deportações…

32 anos de democracia…

2007, no principal canal estatal de televisão, alguém pretende passar uma esponja no passado?

Ou será que o Tide lava mais branco?

Será Salazar, um santo?

Foi preciso uma cadeira providencial pregar uma partida ao destino de uma nação.

Ou estaremos todos anestesiados com o choque tecnológico ou à beira duma amnésia colectiva?

Mário Nunes



António Oliveira Salazar, Imagem dum Ditador...

«António de Oliveira Salazar (Vimieiro, Santa Comba Dão, 28 de Abril de 1889 — Lisboa, 27 de Julho de 1970) foi um ditador português, professor universitário e estadista.

Foi ministro das Finanças entre 1928 e 1932. Entre 1932 e 1968 foi o estadista que dirigiu os destinos de Portugal, com o cargo de Presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro). Foi fundador e chefe da União Nacional (partido único durante o Estado Novo) a partir de 1931. Ele também foi o fundador e principal mentor do Estado Novo (1933-1974), substituindo a ditadura militar (1926-1933). Também exerceu o cargo de Presidente interino da República, mas somente no ano de 1951.»

in wikipedia

Será que a PIDE não existiu?...

A RTP deu mais de meia hora a Jaime Nogueira Pinto para defender um governante que foi o primeiro responsável do seguinte:

HAJA MEMÓRIA!

1931 - O estudante Branco é morto pela PSP, durante uma manifestação no Porto; 1932 - Armando Ramos, jovem, é morto em consequência de espancamentos; Aurélio Dias, fragateiro, é morto após 30 dias de tortura; Alfredo Ruas, é assassinado a tiro durante uma manifestação em Lisboa;

1934, 18 de Janeiro, Américo Gomes, operário, morre em Peniche após dois meses de tortura; Manuel Vieira Tomé, sindicalista ferroviário morre durante a tortura em consequência da repressão da greve; Júlio Pinto, operário vidreiro, morto à pancada; a PSP mata um operário conserveiro durante a repressão de uma greve em Setúbal; 1935 - Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE);

1936 - Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus tratos, é deportado do 18 de Janeiro de 1934; Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura;

1937 - Ernesto Faustino, operário; José Lopes, operário anarquista, morre durante a tortura, sendo um dos presos da onda de repressão que se seguiu ao atentado a Salazar; Manuel Salgueiro Valente, tenente-coronel, morre em condições suspeitas no forte de Caxias; Augusto Costa, operário da Marinha Grande, Rafael Tobias Pinto da Silva, de Lisboa, Francisco Domingues Quintas, de Gaia, Francisco Manuel Pereira, marinheiro de Lisboa, Pedro Matos Filipe, de Almada e Cândido Alves Barja, marinheiro, de Castro Verde, morrem no espaço de quatro dias no Tarrafal, vítimas das febres e dos maus tratos; Augusto Almeida Martins, operário, é assassinado na sede da PIDE (PVDE) durante a tortura ; Abílio Augusto Belchior, operário do Porto, morre no Tarrafal, vítima das febres e dos maus tratos;

1938 - António Mano Fernandes, estudante de Coimbra, morre no Forte de Peniche, por lhe ter sido recusada assistência médica, sofria de doença cardíaca; Rui Ricardo da Silva, operário do Arsenal, morre no Aljube, devido a tuberculose contraída em consequência de espancamento perpetrado por seis agentes da Pide durante oito horas; Arnaldo Simões Januário, dirigente anarco-sindicalista, morre no campo do Tarrafal, vítima de maus tratos; Francisco Esteves, operário torneiro de Lisboa, morre na tortura na sede da PIDE; Alfredo Caldeira, pintor, dirigente do PCP, morre no Tarrafal após lenta agonia sem assistência médica;

1939 - Fernando Alcobia, morre no Tarrafal, vítima de doença e de maus tratos;

1940 - Jaime Fonseca de Sousa, morre no Tarrafal, vítima de maus tratos; Albino Coelho, morre também no Tarrafal; Mário Castelhano, dirigente anarco-sindicalista, morre sem assistência médica no Tarrafal;

1941 - Jacinto Faria Vilaça, Casimiro Ferreira; Albino de Carvalho; António Guedes Oliveira e Silva; Ernesto José Ribeiro, operário, e José Lopes Dinis morrem no Tarrafal; 1942 - Henrique Domingues Fernandes morre no Tarrafal; Carlos Ferreira Soares, médico, é assassinado no seu consultório com rajadas de metralhadora, os agentes assassinos alegam legítima defesa (?!); Bento António Gonçalves, secretário-geral do P. C. P. Morre no Tarrafal; Damásio Martins Pereira, fragateiro, morre no Tarrafal; Fernando Óscar Gaspar, morre tuberculoso no regresso da deportação; António de Jesus Branco morre no Tarrafal;

Será que o Tarrafal não existiu?

1943 - Rosa Morgado, camponesa do Ameal (Águeda), e os seus filhos, António, Júlio e Constantina, são mortos a tiro pela GNR; Paulo José Dias morre tuberculoso no Tarrafal; Joaquim Montes morre no Tarrafal com febre biliosa; José Manuel Alves dos Reis morre no Tarrafal; Américo Lourenço Nunes, operário, morre em consequência de espancamento perpetrado durante a repressão da greve de Agosto na região de Lisboa; Francisco do Nascimento Gomes, do Porto, morre no Tarrafal; Francisco dos Reis Gomes, operário da Carris do Porto, é morto durante a tortura;

1944 - General José Garcia Godinho morre no Forte da Trafaria, por lhe ser recusado internamento hospitalar; Francisco Ferreira Marques, de Lisboa, militante do PCP, em consequência de espancamento e após mês e meio de incomunicabilidade; Edmundo Gonçalves morre tuberculoso no Tarrafal; assassinados a tiro de metralhadora uma mulher e uma criança, durante a repressão da GNR sobre os camponeses rendeiros da herdade da Goucha (Benavente), mais 40 camponeses são feridos a tiro.

1945 - Manuel Augusto da Costa morre no Tarrafal; Germano Vidigal, operário, assassinado com esmagamento dos testículos, depois de três dias de tortura no posto da GNR de Montemor-o-Novo; Alfredo Dinis (Alex), operário e dirigente do PCP, é assassinado a tiro na estrada de Bucelas; José António Companheiro, operário, de Borba, morre de tuberculose em consequência dos maus tratos na prisão;

1946 - Manuel Simões Júnior, operário corticeiro, morre de tuberculose após doze anos de prisão e de deportação; Joaquim Correia, operário litógrafo do Porto, é morto por espancamento após quinze meses de prisão;

1947 - José Patuleia, assalariado rural de Vila Viçosa, morre durante a tortura na sede da PIDE;

1948 - António Lopes de Almeida, operário da Marinha Grande, é morto durante a tortura; Artur de Oliveira morre no Tarrafal; Joaquim Marreiros, marinheiro da Armada, morre no Tarrafal após doze anos de deportação; António Guerra, operário da Marinha Grande, preso desde 18 de Janeiro de 1934, morre quase cego e após doença prolongada;

1950 - Militão Bessa Ribeiro, operário e dirigente do PCP, morre na Penitenciária de Lisboa, durante uma greve de fome e após nove meses de incomunicabilidade; José Moreira, operário, assassinado na tortura na sede da PIDE, dois dias após a prisão, o corpo é lançado por uma janela do quarto andar para simular suicídio; Venceslau Ferreira morre em Lisboa após tortura; Alfredo Dias Lima, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Alpiarça;

1951 - Gervásio da Costa, operário de Fafe, morre vítima de maus tratos na prisão; 1954 - Catarina Eufémia, assalariada rural, assassinada a tiro em Baleizão, durante uma greve, grávida e com uma filha nos braços;

1957 - Joaquim Lemos Oliveira, barbeiro de Fafe, morre na sede da PIDE no Porto após quinze dias de tortura; Manuel da Silva Júnior, de Viana do Castelo, é morto durante a tortura na sede da PIDE no Porto, sendo o corpo, irreconhecível, enterrado às escondidas num cemitério do Porto; José Centeio, assalariado rural de Alpiarça, é assassinado pela PIDE;

1958 - José Adelino dos Santos, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR, durante uma manifestação em Montemor-o-Novo, vários outros trabalhadores são feridos a tiro; Raul Alves, operário da Póvoa de Santa Iria, após quinze dias de tortura, é lançado por uma janela do quarto andar da sede da PIDE, à sua morte assiste a esposa do embaixador do Brasil;


13 anos de Guerra Colonial. Travamos em África uma das mais longas guerras do século XX

1961 - Cândido Martins Capilé, operário corticeiro, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Almada; José Dias Coelho, escultor e militante do PCP, é assassinado à queima-roupa numa rua de Lisboa;

1962 - António Graciano Adângio e Francisco Madeira, mineiros em Aljustrel, são assassinados a tiro pela GNR; Estêvão Giro, operário de Alcochete, é assassinado a tiro pela PSP durante a manifestação do 1º de Maio em Lisboa;

1963 - Agostinho Fineza, operário tipógrafo do Funchal, é assassinado pela PSP, sob a indicação da PIDE, durante uma manifestação em Lisboa;

1964 - Francisco Brito, desertor da guerra colonial, é assassinado em Loulé pela GNR; David Almeida Reis, trabalhador, é assassinado por agentes da PIDE durante uma manifestação em Lisboa;

1965 - General Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos são assassinados a tiro em Vila Nueva del Fresno (Espanha), os assassinos são o inspector da PIDE Rosa Casaco e o subinspector Agostinho Tienza e o agente Casimiro Monteiro;

1967 - Manuel Agostinho Góis, trabalhador agrícola de Cuba, more vítima de tortura na PIDE;

1968 - Luís António Firmino, trabalhador de Montemor, morre em Caxias, vítima de maus tratos; Herculano Augusto, trabalhador rural, é morto à pancada no posto da PSP de Lamego por condenar publicamente a guerra colonial; Daniel Teixeira, estudante, morre no Forte de Caxias, em situação de incomunicabilidade, depois de agonizar durante uma noite sem assistência;

1969 - Eduardo Mondlane, dirigente da Frelimo, é assassinado através de um atentado organizado pela PIDE; 1972José António Leitão Ribeiro Santos, estudante de Direito em Lisboa e militante do MRPP, é assassinado a tiro durante uma reunião de apoio à luta do povo vietnamita e contra a repressão, o seu assassino, o agente da PIDE Coelho da Rocha, viria a escapar-se na "fuga-libertação" de Alcoentre, em Junho de 1975;

25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos

1973 - Amilcar Cabral, dirigente da luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, é assassinado por um bando mercenário a soldo da PIDE, chefiado por Alpoim Galvão; 1974, 25 de Abril - Fernando Carvalho Gesteira, de Montalegre, José James Barneto, de Vendas Novas, Fernando Barreiros dos Reis, soldado de Lisboa, e José Guilherme Rego Arruda, estudante dos Açores, são assassinados a tiro pelos pides acoitados na sua sede na Rua António Maria Cardoso, são ainda feridas duas dezenas de pessoas. A PIDE acaba como começou, assassinando. Aqui não ficam contabilizadas as inúmeras vítimas anónimas da PIDE, GNR e PSP em outros locais de repressão. Mais ainda, podemos referir, duas centenas de homens, mulheres e crianças massacradas a tiro de canhão durante o bombardeamento da cidade do Porto, ordenada pelo coronel Passos e Sousa, na repressão da revolta de 3 de Fevereiro de 1927. Dezenas de mortos na repressão da revolta de 7 de Fevereiro de 1927 em Lisboa, vários deles assassinados por um pelotão de fuzilamento, à ordens do capitão Jorge Botelho Moniz, no Jardim Zoológico.Dezenas de mortos na repressão da revolta da Madeira, em Abril de 1931, ou outras tantas dezenas na repressão da revolta de 26 de Agosto de 1931. Um número indeterminado de mortos na deportação na Guiné, Timor, Angra e no Cunene. Um número indeterminado de mortos devido à intervenção da força fascista dos "Viriatos" na guerra civil de Espanha e a entrega de fugitivos aos pelotões de fuzilamento franquistas. Deze nas de mortos em São Tomé, na repressão ordenada pelo governador Carlos Gorgulho sobre os trabalhadores que recusaram o trabalho forçado, em Fevereiro de 1953. Muitos milhares de mortos durante as guerras coloniais, vítimas do Exército, da PIDE, da OPVDC, dos "Flechas", etc.(A lista de mortes do fascismo, é adaptada de um texto da autoria da Comissão "Abril Revolucionário e Popular")

Texto enviado por Paulo Andrade

5 comentários:

Anónimo disse...

Viva Portugal,viva a revolução do 25 de Abril. Abaixo salazar e os seus lacaios. Infelizmente no 25 de Abril estava em Moçambique na tropa, por imposição dos governos fascistas e não pude assitir ao momento mais bonito que Portugal jamais teve. Viva a liberdade.
Antero Ferreira.

Anónimo disse...

Não posso estar mais de acordo com o autor do texto no que diz respeito à falta de memória das pessoas, mas a minha posição não passa dai. É um facto que para quem viveu alguns dos anos do anterior regime não fica indiferente à crescente vontade de reabilitar a imagem de Oliveira Salazar, e não me refiro à RTP, mas também não é menos verdade, que no caso do programa televisivo em causa, e a acreditar na votação popular, foi o mesmo povo que o repúdia e condena, que o votou e permitiu que estivesse entre os 10 maiores Portugueses de sempre.
O facto de concederem mais de meia hora à defesa desta personalidade, apesar dos pesares, é perfeitamente compreensivel e justificado. Se os responsáveis pela programação do canal ou a produção do programa não o fizessem, não seriam melhores do que a censura promovida pelo regime do Prof. Oliveira Salazar.
O que é facto, é que independentemente das inegáveis tragédias provocadas pelo regime politico do Prof. Oliveira Salazar, este foi um estadista e bem ou mal, conquistou o direito de constar nos registos da história do nosso pais. O que é preciso é seguir em frente e não dar demasiada importância a estes pequenos pormenores. A nossa história é imensamente rica de acontecimentos e personagens, os 48 anos de regime salazarista valem pelo que valem, são passado, é tempo de pensar no futuro.

manel pedro disse...

Para que a história não se repita não podemos apagar a memória. Não somos eeprom's. 25 Abril Sempre! Fascismo nunca mais!

Marília Gonçalves disse...

Carlos Domingos, Portugal: sobre Eluard y La Libertad

UMA HISTÓRIA VERDADEIRA



1



Em 1942, durante a ocupação da França pelos nazis, o poeta Paul Éluard escreveu um extraordinário poema, intitulado «Liberté», que ficou na História como um dos símbolos da Resistência.



Esse poema foi levado para Inglaterra por um pintor brasileiro, Cícero Dias. Em 1943, traduzido em várias línguas, o poema foi lançado, como um panfleto, por aviões britânicos sobre a França e outros países da Europa.



Por ter realizado o notável feito de ter passado o poema, clandestinamente, para fora do país, permitindo a sua difusão, Cícero Dias foi condecorado com o Ordem Nacional do Mérito pelo governo francês, mais de cinquenta anos depois, em 1998.





2



Alguns anos depois da derrota do nazismo, frequentava eu o sétimo ano do curso de língua francesa no Liceu Francês Charlles Lepierre, quando, num autêntico desafio à Censura do fascismo salazarista, a Embaixada francesa patrocinou a realização dum recital de poesia francesa da Resistência, que incluía um filme de curta-metragem baseado no poema de Louis Aragon «La Rose et le Réséda», o qual apelava à união entre crentes (la rose) e não crentes (le réséda) contra a ocupação nazista:



«Celui qui croyait au Ciel,

celui qui n’y croyait pas,

tous les deux aimaient la belle

prisionière des soldats.»



A minha participação nesse recital constou da declamação do poema de Paul Éluard «Liberté», pelo que fui muito felicitado pelos representantes da Embaixada que se encontravam presentes. Nunca me esquecerei que o meu professor de francês tinha sido, ele próprio, um resistente.







3



O episódio referente ao pintor brasileiro Cícero Dias que transportou o poema de Paul Éluard para Inglaterra e o posterior reconhecimento do governo francês por essa façanha foram-me dados a conhecer por uma folha informativa datada de 28 de Outubro de 2002, comemorativa do centenário do nascimento do grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, folha essa que só me chegou às mãos há poucos dias.



Foi também por essa mesma folha que tomei agora conhecimento da tradução do poema «Liberté» para português pela dupla de poetas brasileiros Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, apesar de que essa tradução já fora feita nos anos 40.



A referida folha informativa foi, creio eu, da responsabilidade de Carlos Machado.



4



Viremos agora a página.



Em 1972 fui preso pela polícia política criada por Salazar, a famigerada PIDE. Barbaramente torturado, incluindo com a terrível “tortura do sono” durante a qual fui impedido de dormir durante 13 dias seguidos, encerraram-me depois na prisão de Caxias, onde permaneci os três primeiros meses em regime de rigoroso isolamento.



Mesmo assim, durante esse período escrevi vários poemas e um relatório sobre os pormenores da minha prisão e o que sofri depois. Todos esses escritos fi-los passar clandestinamente (não podia ser doutra forma) para fora da prisão, apesar da apertada e rigorosa vigilância dos serviços prisionais, que chegavam a radiografar as roupas que entravam e saíam, desfaziam bolos que recebíamos das famílias, picavam as pastas de dentes, desmanchavam os maços de tabaco, despiam-nos completamente para revistar as nossas roupas ao pormenor antes de comparecermos perante os nossos advogados ou familiares (e, mesmo assim, as visitas realizavam-se na presença de um guarda e de um agente da PIDE).





A primeira mensagem que consegui fazer passar foi um pequeno poema (era a primeira experiência):



«Um preso político é como uma península:

rodeado de lobos por todos os lados

menos por um – a certeza

que o liga aos companheiros.»





5



Acabado o período do isolamento, instalaram-me numa sala onde fiquei com mais quatro companheiros. Em conjunto, organizámos a nossa vida, o nosso estudo, o nosso trabalho politico-cultural, as nossas diversões e, até, as nossas reacções às provocações dos carcereiros.



Em Abril de 1973, a união de todos os democratas e anti-fascistas conseguiu realizar em Aveiro, durante cinco dias, o 3º Congresso da Oposição Democrática.



Com a colaboração de dois dos meus companheiros de prisão, escrevi uma comunicação ao citado Congresso intitulada «A Repressão Fascista e a Situação dos Presos Políticos em Caxias». Escrita com uma letra muitíssimo minúscula, o dito trabalho ocupou quinze mortalhas para cigarro. Poucos imaginam as dificuldades que foi necessário vencer para as fazer sair de dentro da prisão.



Depois de ter sido tudo dactilografado, havia ainda que transportar o trabalho para Aveiro, o que foi feito por uma jovem anti-fascista, noiva de um dos meus companheiros de prisão, acabando por ser ela a ler a comunicação ao Congresso, ante uma extraordinária ovação da assistência. Tudo isto implicou um enorme risco, não só para quem, lá dentro, elaborou o documento, mas também para quem o transportou e o leu na tribuna do Congresso.



Essa intervenção está publicada nas «Teses do 3º Congresso da Oposição Democrática», em 8 volumes, página 63 da secção Organização do Estado e Direitos do Homem, Edições Seara Nova, Fevereiro de 1974.



Como na autoria da comunicação figurava um Grupo de presos actualmente em Caxias (e é assim que se encontra publicado nas «Teses»), a PIDE não teve qualquer dificuldade em me associar ao evento, pelo que passei a sofrer maior vigilância e repressão.



Finalmente, em Maio de 1973, fui transferido para uma prisão política de alta segurança, a Cadeia do Forte de Peniche. Aí estive na companhia de altos dirigentes políticos como António Dias Lourenço, José Magro, Ângelo Veloso e Dinis Miranda, o dirigente sindical Daniel Cabrita, o romancista Mário de Carvalho, o dirigente angolano Garcia Neto (mais tarde assassinado pelos terroristas do grupo de Nito Alves) e outros cujo nome não me ocorre.



Em Setembro de 1973 chegou-nos a notícia do golpe fascista de Pinochet no Chile, que nos provocou um estado de espírito de ainda maior revolta.



Foi apanhado por esse estado de espírito que decidi traduzir para português o poema de Paul Éluard «Liberté», que eu tinha aprendido e recitado em jovem. Outra luta foi fazer passar a tradução para o exterior, como se deve calcular.



Fui libertado quando se deu a revolução do 25 de Abril de 1974. Com a euforia da libertação e do trabalho gigantesco que havia para realizar, perdi o rasto à tradução do poema de Paul Éluard.



Só há dias, ao travar conhecimento com a tradução realizada pelos dois poetas brasileiros, é que me lembrei de que tinha havido uma tradução feita por mim. E, então, resolvi procurá-la, mas sem êxito.



Até que… Foi ontem. Foi ontem que me ocorreu a existência duns velhos papéis encafuados numa velha caixa de madeira.



Ao abrir a caixa desenterrei tanta coisa! Velhos poemas da juventude que o meu pai tinha conservado religiosamente… E lá estava. Lá estava a tradução.



Algumas palavras já não estavam perceptíveis. Mas eu coloquei no seu lugar as que me pareceram fazer sentido e que se adaptavam ao ritmo. Não devo ter falhado muito.





6



Escreve Carlos Machado, a propósito da tradução do poema «Liberté» executada por Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, que «…existe uma profusão de traduções deste poema. Em minha opinião, esta é, de longe, a melhor.» Claro que C. Machado se refere apenas às traduções que ele conhece.



Ao confrontar, por exemplo, a minha tradução com a dos dois grandes poetas brasileiros, alguns dos meus amigos mais credenciados e insuspeitos não conseguiram fazer uma escolha do ponto de vista da qualidade literária. Notaram-lhes, entretanto, algumas semelhanças e algumas diferenças, sendo notórias as duas que se seguem:



1. Ambas as traduções seguem a métrica utilizada pelo autor do poema, isto é, a redondilha maior e mantêm-se fiéis a ela até o fim.



2. A tradução do duo de poetas denota um ambiente mais frio, de exclusiva preocupação literária, enquanto a minha tradução sofre do defeito de ter sido escrita num contexto prisional.



Pois bem. Por mim, não considero esta segunda parte um defeito. Entre mim e o poeta Paul Éluard existe um traço comum: somos ambos resistentes anti-fascistas. Tanto o seu poema como a minha tradução reflectem o ambiente de tensão em que se inseriam. Que eu saiba, tanto Drummond como Bandeira nunca estiveram presos nem participaram activamente na Resistência. As suas vivências foram apenas de cariz humano e intelectual.



Para além disso, tenho alguns (pequenos) reparos a fazer.



Vejamos. A minha escolha em traduzir “Sur” por “Sobre” não se limita a uma prática de literalismo. A nossa preposição “em” tanto pode traduzir o francês “sur” como “dans”. Écrire sur mes cahiers é diferente de Écrire dans mes cahiers. E, no meu ponto de vista, o “Sobre” dá mais força, mais acutilância à expressão.



Há, por outro lado, alguns pontos em que eu estou em nítido desacordo com a tradução do duo Drummond/Bandeira.



Na 2ª estrofe, a expressão pages blanches significa páginas em branco (podem até ser amarelas) e não páginas brancas.



Traduzir dorées por redouradas é nitidamente para cumprir a métrica. E armes não são armaduras. É muito diferente (3ª estrofe).



A palavra jungles não existe em português. Trata-se possivelmente de um calão brasileiro. Porém, num poema deste tipo, para ser lido universalmente, devem ser evitados os regionalismos. A tradução de jungle deve ser selva ou floresta. Também l’écho de mon enfance não é o céu da minha infância, mas aqui pode tratar-se de uma gralha tipográfica, uma vez que a métrica não ficou certa (4ª estrofe).



Journée não é alvorada. Alvorada é o nascer do dia, enquanto journée é a totalidade do tempo que preenche o dia (5ª estrofe).



Lune vivante é lua viva e não lua vivendo (?!) (6ª estrofe).



Asas dos passarinhos é muito redutor, pois deixa de fora os grandes pássaros, como águias, falcões, etc. O poeta diz simplesmente des oiseaux, isto é, pássaros. Além de que o diminutivo é demasiado terno e carinhoso para um poema que se quer com raiva (7ª estrofe).



Sur la mer é o que diz o poeta. Água do mar pode-se ir buscar à praia num balde. O poeta fala no mar como um todo, como uma realidade. Ele não escreve sobre a água do balde, mas sim sobre o mar. E, logo a seguir, ele fala em bateaux (barcos) e não em navios (navires). Também serranias não é o mesmo que montagne. Montanha é uma realidade unificada, mais personalizada e, por isso, mais forte (8ªestrofe).



Até. É uma palavra metida a martelo para completar a métrica (9ª estrofe).

O poeta diz les cloches des couleurs, não diz que são sete cores (10ª estrofe).



Traduzir tremplin por trampolim é traduzir à letra. Tremplin tanto pode significar trampolim como degrau que dá acesso, diferente de degrau da escada que se diz marche. Em português dizemos o degrau da porta (15ª estrofe).



Les lèvres attentives não significa que estejam atentos, mas sim que estão à espera. Attentif, de attendre (esperar, estar à espera) (17ª estrofe).



Les marches de la mort são os degraus da morte e não as escadas. Parte-se do princípio de que a morte terá uma escada (escalier) a qual terá muitos degraus (marches) (19ª estrofe).



E pronto. Quanto ao final, eu optei por não usar a palavra chamar. Em português chamar pode ter vários sentidos. Pode corresponder ao francês nommer, mas também pode significar appeler. No poema, Éluard emprega nommer e, para evitar interpretações dúbias eu decidi-me por invocar.



Finalmente, apesar de lhe apontar alguns senões (diz-se que não há bela sem senão), eu não me atrevo a dizer que a tradução de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira não seja uma bela tradução.

Quanto à minha tradução, eu não a classifico como melhor, apenas reivindico a qualidade de diferente. Ela pretende ser apenas uma tradução feita por um resistente anti-fascista que estava preso precisamente numa altura em que a Democracia estava a ser barbaramente esquartejada no Chile. Ela está, pois, imbuída daquela raiva e espírito de resistência, reflexo das condições em que foi concebida.





7



A propósito da proeza do pintor pernambucano Cícero Dias de ter transportado o poema de Éluard para Inglaterra e, com isto, ter ganho o reconhecimento, embora tardio, do governo francês, a ponto de lhe ter sido conferida uma medalha, devemos admitir que, não contestando de forma alguma o seu notável mérito, a sua acção não pode ser considerada propriamente um feito heróico.



E isto porquê?



Primeiro, porque não é muito difícil esconder um pequeno papel dentro da roupa ou na bagagem. Segundo, porque bastaria ter deixado figurar como título aquele que o poeta lhe tinha atribuído inicialmente com carácter provisório: Une seule pensée. Complementarmente, ser-lhe-ia retirado o verso final constituído pela palavra Liberté. Estes procedimentos dariam ao poema um ar inofensivo, capaz de iludir qualquer vigilância mais severa. Uma vez em Inglaterra, seria restituído ao poema o seu aspecto original.



Tudo isto é claro como água.



O que já não foi tão fácil foi fazer sair uma tradução do poema «Liberdade» para o exterior duma prisão política de alta segurança como era a Cadeia do Forte de Peniche. O mesmo se pode dizer em relação às centenas de mensagens que saíram e entraram em todas as prisões políticas do fascismo. Isso sim, foram actos de heroísmo praticados, durante os 48 longos anos de ditadura pelos presos políticos portugueses, os quais, até à data, ainda não foram publicamente homenageados pelos representantes da nossa Democracia, para a conquista da qual eles tão duramente contribuíram.





15-9-2006

Carlos Domingos

Marília Gonçalves disse...

para o que o sr acima classifica de pequenos pormenores

eu deixo aqui o meu testemunho de filha de preso politico aquando das eleiçoes de Humberto Delgado, tinha eu dez anos

ACUSO

Cavalo de vento
Meu dia perdido
O meu pensamento
Anda a soluçar
Por dentro do tempo
De cada gemido
Com olhos esquecidos
Do riso a cantar

Quem foi que levou
A ânfora antiga
Onde minha sede
Fui desalterar
Sementeira de astros
Que o olhar abriga
Por fora dos versos
Que hei-de procurar

Quem foi que em murmúrio
Na fonte gelava
Essa folha branca
Aonde pensar
Quem foi que a perdeu
Levando o futuro
Por onde o meu barco
não quer navegar

Quem foi que manchou
a página clara
Com água das sedes
Que eu hei-de contar
Quando o sol doirava
As velhas paredes
Da mansão perdida
De risos sem par

Quem foi que levou
Os astros azuis
Do meu tempo lindo
Meu tempo a vogar
Por mares de estrelas
Vermelhas abrindo
Quando minhas mãos
Querem soluçar

Não mais sei quem foi
só sei que foi quando
a noite vestiu o dia que era
E todos os sonhos
Partiram em bando
Fugindo de mim e da primavera

Mas há na memória
Da minha retina
A voz que se nega
A silenciar
Com dedo infantil
Erguendo a menina
Diante do réu
Em tempo e lugar!!!

Marília Gonçalves

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Tradutor

Causas

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